Putin quer o remake de um filme que já assistimos - Áureo Alessandri

26/05/2022

Estava eu recostado nos umbrais do meu escritório pensando no que escrever para este meu primeiro artigo quando senti um odor inesperado de charuto e, em meio à fumaça que inexplicavelmente invadiu o ambiente, divisei a figura circunspecta de Winston Churchill.

Fiz menção de levantar-me incontinente da cadeira, em reverente saudação, mas desisti diante de seu aceno largo, como que dizendo sem palavras: deixa disso, rapaz.

Disfarçando meu espanto, me pus atento a escutar o que o espectro do estadista disse com indisfarçável sotaque inglês e voz de tabaco: "Porque você não escreve sobre o Putin, aquele damn bastard?"

Assenti com um gesto lento de cabeça e me pus a escrever, eventualmente começando pelo óbvio.

Se pararmos para pensar de forma simplista, as potências mundiais são sempre forjadas a partir de guerras mundiais. Estados Unidos, Inglaterra, França (os Aliados) e até a defunta União Soviética foram potências forjadas a partir de suas vitórias em alguma das guerras mundiais, ou em ambas.


Com o passar do tempo e o advento da guerra fria, veio uma incessante troca de ameaças que nunca se concretizaram em agressões, como se americanos e soviéticos fossem cães de madame separados por um portão, rosnando e latindo um para o outro sem, no entanto, trocarem uma mordida sequer durante décadas.

Enquanto isso, o resto do mundo borrava as calças de medo de uma guerra nuclear.

A prosaica morte da União Soviética na aurora da década de noventa não só deixou os americanos sozinhos com a hegemonia do planeta, como também lhes propiciou avançar com sua influência sobre os países da antiga Cortina de Ferro (nesse instante Churchill balança a cabeça e me sorri satisfeito, já que foi ele quem cunhou o termo).

É mais ou menos como se o muro de Berlim estivesse sendo gradativamente empurrado cada vez mais para leste, cada vez mais para perto da fronteira russa - onde mísseis estratégicos esperariam ansiosos pelo partido Democrata americano para serem aninhados sob a bandeira da OTAN bem embaixo das barbas de Putin.

"Sleepy" Joe Biden é o padrinho que a Rússia esperava para poder começar a festa.

Pois Vladimir Putin, um ex-tenente coronel da KGB que vez ou outra envenena seus desafetos com material radioativo e reforça a tradição russa de adorar ditadores - está há exatos 23 anos ininterruptos sem levantar da cadeira presidencial - decidiu deter o avanço da OTAN em direção à sua fronteira.

Questionando oficialmente o direto da Ucrânia existir como país independente, Putin disfarçou o fato de que tomar para si o país eliminaria uma possibilidade de adesão à OTAN, permitindo que Moscou ficasse ao menos um pouco mais distante dos mísseis que vovô Biden deu de Natal para os europeus.

Até aí é mais ou menos aquilo que todos já sabem. (Nesse momento Churchill, já antevendo onde quero chegar, se retira discretamente com ar de cansaço).

A questão crucial agora é: E daqui pra frente, o que vai acontecer?

É evidente que Putin quer derrubar o governo da Ucrânia e colocar na presidência um fantoche seu, um pau mandado de Moscou que comandaria uma discreta e nada empenhada reconstrução de um país que ficou em frangalhos depois da invasão - como se ter parte de seu território eternamente contaminado por Chernobyl já não bastasse à Ucrânia.


Mas e depois disso? Até onde Putin irá?

Finlândia e Suécia já solicitaram sua adesão à OTAN, dando pistas de que sabem que o avanço russo não vai parar por aí.

Os nórdicos sabem muito bem que Putin pode contar com o apoio financeiro da China, um leviatã econômico disforme forjado no metacapitalismo de Estado, e com uma Coréia do Norte sempre disposta a usar o Japão como refém.

Putin pode ter em mente empurrar de volta o muro de Berlim para sua posição original, recuperando não só sua influência política e econômica em todo o leste europeu como também anexando as quinze antigas repúblicas soviéticas à Rússia, num revival macabro do expansionismo leninista de exatos cem anos atrás.

O ponto aqui é que já se sabe muito bem, por experiência vivida, onde megalomaníacos com poder bélico e apoio irrestrito de seu povo podem levar o mundo quando tem o objetivo de recuperar territórios perdidos e retomar a influência político-econômica sobre alguns países.

Foi exatamente isso que levou o mundo à segunda guerra mundial.

Putin é, portanto, aspirante a fazer o remake de um filme horroroso que já vimos antes.

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