Dos delírios auto-induzidos ou “Quem vai ser o nosso Obdulio Varela?” - Áureo Alessandri.

10/01/2023

É claro que demorei bastante a escrever esta coluna.

Assim como todo brasileiro que não é simpático ao atraso e ao crime, a discutível eleição de Lula me deixou, de certa forma, perplexo.

Não exatamente com o fato de o líder da facção criminosa disfarçada de partido ter sido maciçamente votado, afinal o povo brasileiro é craque em tomar atitudes guiadas pela típica falta de intelecto que caracteriza os asnos.


O que de fato me deixou estupefato foi exatamente o que veio a seguir - e não me refiro ao fato de uma verdadeira massa de pessoas indignadas com a eleição de um bandido ter se plantado por sessenta dias à frente dos principais comandos militares do país (vide o que ocorreu no Rio e em São Paulo) - refiro-me à quase instantânea criação de uma série interminável de absurdos colossais, todos disfarçados de provas contundentes, que supostamente serviriam para invalidar a eleição e impedir a posse do Al Capone dos trópicos além de prender seus comparsas.

Eu mesmo fui chamado a participar de pelo menos dois grupos autointitulados como patrióticos e qual não foi minha surpresa ao constatar que os tais grupos se restringiam a criar e disseminar factoides absolutamente impossíveis de se acreditar a não ser em virtude de extrema imbecilidade ou de extremo desespero... ou talvez em virtude de ambos ao mesmo tempo.

Senão vejamos: Do anúncio de que Lula estava eleito até o fim da primeira semana em que tomou posse - semana que também marcou minha aliviadora expulsão de ambos os grupos - fui bombardeado com um verdadeiro espetáculo de absurdos delirantes vindo de todos os lados, todos endossados e fartamente analisados por gente cujo maior traço de caráter é a fragilidade mental.


Claro que eu não poderia deixar de listar alguns dos melhores delírios para os eventuais leitores que ainda não me taxaram de "infiltrado", "petista" ou de "antipatriótico" até aqui.

Vejamos algumas pérolas da insanidade ufanista:

"Os militares só vão intervir depois da eleição do congresso americano";

"O relatório dos militares é uma prova de fraude e vai anular a eleição";

"O gen. Mourão está indo para a Venezuela prender o Maduro para evitar que a Venezuela invada o Brasil";

"A Gleise Hoffman tentou fugir do país e foi presa por militares no aeroporto";

"Há movimentação inédita de material bélico para a fronteira com a Guiana Francesa para evitar uma invasão da França por lá";

"O Brasil está cercado por navios de guerra da Rússia e do Qatar que vieram dar apoio bélico a uma intervenção militar";

"A esquerda está apavorada pois já estamos sob GLO";

"Os militares estão esperando a publicação no Diário Oficial para prender o Moraes";

"O STM vai anular as eleições, julgar e condenar o Moraes";

"O livro do TSE não foi caligrafado com o nome do Lula";

"Lula morreu no Sírio Libanês e quem está aí é um sósia";

"Na última live do Bolsonaro, ele mandou uma mensagem por código Morse com batidas na mesa avisando que o exército vai intervir";

"O gen. Heleno está nomeado interventor e é o real mandatário do país no momento";

"A posse foi na verdade uma encenação armada pela Rede Globo pois a faixa presidencial era falsa, o molusco não subiu a rampa do Alvorada e os chefes das forças armadas eram apenas atores";

"Os militares vão prender o larápio petista assim que ele assinar o primeiro ato como presidente".

É claro que, soterrado por essa avalanche de imbecilidades, cometi a burrice de tentar tirar a cabeça pra fora, acenar e avisar a todos que tudo não passava de asneira não filtrada devido à falta de senso de realidade.

Evidentemente que fui chamado de comunista e fui questionado sobre qual ser o meu plano.

O meu plano pra que, cara pálida?

A menos que se afundar em delírios auto-induzidos seja um plano para salvar o país, creio que não há nenhum plano sendo discutido.

Sei que muitos buscam se anestesiar da realidade quando passam a acreditar em fantasias, mas é evidente que haver uma massa enorme de gente focada nessa coleção de patacoadas é péssimo para o país. 

Só não é pior do que saber que essas pessoas desperdiçam muita energia e tempo com isso ao invés de se organizarem em entidades para fazer oposição cerrada ao governo criminoso que já se apossou do país e que prepara sua venezuelização acelerada bem debaixo de nossas barbas babadas de patriotismo infantilóide.

Nesse instante de dura reflexão solitária, vislumbrei novamente a figura amarrotada de Nelson Rodrigues com a camisa do Fluminense e um cigarro pela metade entre os dedos me dizendo:

- E agora? Quem vai ser o nosso Obdulio Varela?

Quem? Obdulio Varela? Tentei puxar pela memória

 Obdulio Varela foi o capitão da seleção uruguaia que derrotou a favoritíssima seleção brasileira na Copa de 1950 num Maracanã transbordando com duzentas mil pessoas. Nelson Rodrigues tinha obsessão por ele. Costumava dizer que "Obdulio não amarra as chuteiras com os cordões. Amarra-as com as veias".
Mas o que o Obdulio Varella fez de concreto? Primeiro, quando o Uruguai ia entrar em campo, ele disse aos companheiros de time:"Não liguem pra essa gente toda. Não olhem para as arquibancadas."E logo todos os brasileiros presentes acreditaram que os uruguaios entraram cabisbaixos em campo por medo de uma derrota.Depois, quando o estádio inteiro explodiu em êxtase com o gol brasileiro feito por Friaça, Obdulio pegou a bola de dentro do gol uruguaio, caminhou bem lentamente em direção ao meio campo pedindo calma aos companheiros de time, sem gesticular.Colocou a bola no centro do campo e foi falar com o juiz. Alegou impedimento. Como não foi entendido, pediu um intérprete. Só então explicou-se.Argumentou também com o bandeirinha, reclamou para o técnico, ganhou tanto tempo quanto pode até que os uruguaios estivessem mais calmos, irritando o time brasileiro e fazendo a pressão da torcida brasileira esfriar quase que completamente.O gol brasileiro não foi anulado, mas o Uruguai virou o jogo - foi campeão contra todas as expectativas - e, mesmo que não tenha feito nenhum dos gols, a vitória foi do Obdulio.Daí volto à pergunta do Nelson Rodrigues: "Quem vai ser o nosso Obdulio Varela?"É claro que eu não sei, mas sei que precisamos de um.

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