CD Naked Zen / Márcio Okayama - Por Luiz Domingues
Márcio Okayama é considerado um dos maiores guitarristas do Brasil, há muitos anos. Professor muito respeitado de uma escola famosa de música, que é sonho de consumo para aspirantes a músicos que transitam entre as escolas virtuoses, baseadas na estética do Hard-Rock & Heavy-Metal, dos anos oitenta e adeptos do Jazz-Fusion de uma maneira geral, Márcio é muito bem versado nessas estéticas citadas, mas vai muito além, pois possui uma base cultural muito forte por trás, como bagagem extra e decisiva para que a sua visão da música seja avantaja, o suficiente para garantir-lhe tal ecletismo.
Um entusiasta da tecnologia, Okayama também tem forte identificação com as artes plásticas, devido ao fato de ser neto de uma artista de primeira grandeza, a senhora, Tsukika Okayama, que nos anos quarenta e cinquenta do século passado, foi componente do importante grupo, "Guanabara", uma cooperativa artística formada por artistas plásticos estrangeiros que radicou-se no Brasil logo após o término da II Guerra Mundial, e em sua maioria formada por nipônicos. De sua avó famosa, ele herdou o apreço pelas artes plásticas em geral, ao ponto de hoje gerenciar em paralelo à sua carreira musical, um centro cultural nipo-brasileiro em São Paulo, chamado, "Hitsu 76", no mesmo endereço em que foi residência e atelier de sua avó, no bairro da Aclimação, na zona sul de São Paulo.
E vai muito além, pois Márcio Okayama também ostenta um lado esotérico forte e empresta tal musicalidade adquirida com todos os méritos, para diversos projetos interessantes, como por exemplo, ao ter musicado as palestras do famoso cromoterapeuta, Valcapelli, na busca incessante em estabelecer a relação das notas musicais com as cores e a vibração inerente produzida por ambas, a repercutir em cura para diversas doenças.
Como eu conheci pessoalmente o Márcio e o seu Centro Cultural, "Hitsu 76", ao final de 2017, gerou uma crônica com certa complexidade até, pois fui surpreendido positivamente, sob inúmeros aspectos. Convido o leitor a tomar conhecimento dessa experiência e que envolve amigos em comum, meus e de Márcio, o pessoal da banda, Pictórica, outra boa surpresa de tal referida tarde de um sábado, quando eu estive na companhia deles todos no citado espaço cultural, através do link da crônica, que direciona ao meu Blog 2:https://blogdoluizdomingues2.blogspot.com.br/2017/12/uma-tarde-surpreendente-por-luiz.htmlE nessa ocasião, eis que eu recebi vários presentes, conforme mencionei na crônica acima mencionada, e entre eles, uma cópia de um trabalho recente de Márcio, o CD "Naked Zen". É sobre esse trabalho que falo, agora, portanto, ao analisar o seu conteúdo artístico.
Trabalho eminentemente instrumental, tem em seu bojo uma coleção composta por oito temas criados e executados por Márcio, quase que inteiramente sob forma solitária, com pouca participação de músicos convidados, o que faz dele em princípio, um álbum bastante reflexivo, circunspecto e expressivo, tudo ao mesmo tempo, agora. Por tal expressividade criativa, o disco foge inteiramente da expectativa de quem esperaria um disco padrão de um músico orientado pelo Jazz-Fusion, a exibir doses de virtuosismo didático, mas é na verdade, instigante; étnico e místico, a demonstrar uma linha eclética ao extremo.
Sobre as faixas do disco, a primeira canção é: "Nanotecnologia". Sob um baixo minimalista a dar peso e manter um "looping" constante (executado pelo baixista, Marco Nunes), acrescido do uso de bateria eletrônica e efeitos programados, Márcio desenha a canção com diversos dedilhados sobrepostos, através de bastante dissonância harmônica. Causa uma forte impressão tal musicalidade, nada próxima da música Pop tradicional e talvez por isso mesmo seja melhor apreciada por músicos, entretanto, eu achei ousada a sua colocação como primeira faixa, a correr tal risco anticomercial, explícito.
"Noite", a segunda canção, traz mais um trabalho bonito com harmonia bem concatenada, para dar vazão a belos desenhos rítmicos e melódicos. A influência da música brasileira é nítida, a mostrar violões sobrepostos e muito bem tocados. Há o apoio do violonista, Floriano Villaça, como convidado especial, nesta faixa.
"Tracajá" é ainda mais raiz em sua concepção, do que a música anterior. Seria como trazer à tona, violeiros nordestinos a tocar ao luar do sertão, como uma imagem proposta. A percussão é bastante incisiva (executada por Marco Nunes), ao apoiar muito bem. Tem muito do aspecto de música incidental, produzida especialmente para o cinema e claro, essa é mais uma faceta de Márcio Okayama, pois ele já compôs várias trilhas, e portanto tem o traquejo para musicar com maestria, os audiovisuais.
"Equinócio" é outra faixa onde o trabalho feito ao violão, e mostra o apreço de Márcio Okayama pelo som Folk, a música étnica, e a dita, World Music.
"Passagem" é uma canção forte e traz a contundente identificação de Okayama com a música asiática em geral, japonesa em específico. O seu apreço às suas origens hereditárias vai além do orgulho nipônico, e certamente abriu-lhe um mundo de possibilidades no campo da teoria musical, quando ele avançou em seus estudos, pois pesquisou com esmero as escalas orientais e tornou-se assim um dos maiores especialistas nesse campo, no Brasil. Trata-se de uma faixa forte, com toda essa alma nipônica a fluir com contundência e beleza.
"Reflexo" é mais uma faixa com bela resolução harmônica e dedilhados muitos inspirados. É uma canção bastante meditativa, ao apresentar uma brasilidade mais inspirada em elementos da natureza campestre, digamos assim. O violonista, Floriano Villaça, participa dessa faixa, igualmente.
"Chronos" é uma canção bastante mística. O som da percussão evoca os tambores shamânicos, em um primeiro instante. Depois, o tema avança para algo mais tecnológico e bastante experimental a lembrar trilha de instalação avantgarde em exposições de artes plásticas. Bem, esse é um mundo artístico onde Okayama também transita bem e tem forte identificação pessoal, conforme eu já havia alertado ao leitor, anteriormente.
"Axolote" fecha o disco. Aqui a brasilidade Folk é explícita. Mais uma vez a maestria de Okayama ao violão, impressiona, com dedilhados precisos e tudo sob um belo timbre. É como se estivesse a tocar sozinho, sob o entardecer, em algum sítio arqueológico no Piauí ou coisa que o valha, tamanha a beleza panorâmica que tal melodia sugere.