CD Cosmo Drah / Cosmo Drah - Por Luiz Domingues
Faz muito tempo que eu tenho boas referências sobre uma banda de Rock paulistana e contemporânea, chamada : "Cosmo Drah". Não foi uma ou duas pessoas, mas várias que a elogiaram, a atribuir-lhe diversas qualidades natas.
Falavam-me sobre a qualidade de suas composições, com arranjos muito bem elaborados; um vocalista com forte potencial; instrumentistas de muita técnica; letras incisivas; e muita inspiração na música produzida nas décadas de sessenta e setenta do século passado, tanto no Rock, como na MPB.
Eu sabia que o grupo havia lançado um EP, anos atrás, mas nunca tive a oportunidade para escutá-lo com atenção, e devido à minha tardia entrada no mundo virtual, demorei a verificar vídeos da banda ao vivo, e quando os assisti, sim, comprovei que os elogios procediam e a banda detinha todos esses atributos comentados. Contudo, nada melhor que enfim ouvir com calma um álbum, com material inédito, e bem produzido em estúdio, para obter enfim, uma melhor avaliação.
O disco homônimo do Cosmo Drah mostra essa determinação em produzir-se Rock autoral com muita força expressiva, e sem nenhuma intenção em fazer concessão alguma ao sistema viciado e muito mal intencionado, armado no comando da difusão cultural mainstream deste país. Só por essa coragem em mostrar o seu trabalho sem nenhuma preocupação em tentar adequar-se ao que os formadores de opinião aspiram (esses famigerados lacaios dos marqueteiros do sistema, que impõe só o que interessa-lhes como "modismo" a ser seguida pelos que deixam-se abduzir), já tem a minha simpatia, mas o disco vai muito além dessa resistência heroica em termos ideológicos. Sim, a influência em torno das estéticas observadas no Rock, durante as décadas de 1960 & 1970, é total, e aonde os críticos geralmente logo preocupam-se em bater o carimbo com a palavra : "datado" no produto, eu enxergo o mérito em ter-se o bom gosto para buscar uma fonte inspiradora nobre, aliás, a melhor possível quando o assunto é Rock.
Em "Cosmo Drah", gostei de muitos signos interessantes ali contidos. Por exemplo, o bom uso do pedal Wah-Wah pelo guitarrista, Anderson Ziemmer; a boa intervenção dos backing vocals inspirados na Soul Music; o recurso de ruídos fantasmagóricos a gerar uma saborosa e criativa estranheza sonora; e um vocal que lembrou bastante o trabalho de bandas como o Uriah Heep e o Queen, que aliás, esmeravam-se para elaborar corais grandiloquentes. Cabe uma análise mais pormenorizada sobre o solo dessa canção.
Sob um bonito arpejo como base, a opção por um solo duplo e sobreposto foi ousada. Terreno espinhoso, pois tal recurso carece de uma observação sempre muita atenciosa da parte da produção do áudio em estúdio, acho que o guitarrista, Anderson Ziemmer, e o produtor Thiago Nacif foram felizes, pois souberam desenhar os solos de uma forma criativa. Solo duplo simultâneo é como arremesso de três pontos em uma partida de basquete. É um risco enorme, pela dificuldade em acertar, a dar margem ao erro, onde além de haver a possibilidade em não marcar-se os três pontos, abre-se chance para a equipe adversária contra-atacar. Portanto, o Cosmo Drah arriscou, mas acertou a "cesta" ao meu ver, nesse quesito.
Gostei muito de "Velho Mestre", uma canção com forte sabor do Rock Rural setentista. Impossível não remeter ao trabalho do super trio : "Sá; Rodrix & Guarabyra", e mesmo aos bons trabalhos solo de Zé Rodrix. Um bonito solo de violão, e o uso de um teclado etéreo que quase soou como um velho mellotron, são destaques, também.
O baixista, Elton Amorim, tem bastante técnica e a sua criatividade nas linhas que criou, são muito agradáveis. O seu baixo é melódico, bastante incisivo enquanto peso e presença, a empolgar em todas as faixas. Acrescento que não poderia ser de outra maneira, dada a quantidade enorme de boas influências que detém em sua formação pessoal, aliás, caso dos quatro componentes. Gostei muito da bateria de Renato Amorim, irmão de Elton, e outro caso de uma cozinha familiar de alto padrão e entrosamento, tal qual no exemplo dos irmãos Busic, Andria e Ivan.
Ótima condução, com muita criatividade nas viradas; muito firme & preciso, pontual e expressivo no uso dos pratos; e a demonstrar um grau de bom gosto extremo na escolha dos timbres das peças de sua batera, a marcar com peso e brilho, muito bons. Claro, o dedo do produtor, Thiago Nacif, pesou no quesito timbre, tendo esse mérito também.
O guitarrista, Anderson Ziemmer é excelente, também. Bom harmonizador e solista, confere muita qualidade ao som do Cosmo Drah. É bem expressiva a sua colaboração ao trabalho da banda, nos nos riffs & licks, em que brilha no disco inteiro.
E finalmente, ao falar do quarto componente, o vocalista, Ruben Yannelli, creio que seja uma das grandes vozes da cena do Rock brasileiro da atualidade. Dono de uma voz potente, com forte emissão, lembrou-me bastante o estilo de Luiz Carlos Porto e Fughetti Luz, vocalistas emblemáticos do Rock Brasuca setentista. E o seu trabalho como letrista também merece destaque, ao mostrar inspiração e contundência. Por falar nisso, sobre a parte poética, é bem verdade que no cômputo geral a banda apresentou nesse disco um clima pesado nas abordagens. Sob um primeiro olhar, poderia dar a entender que as letras são pessimistas, dadas ao desalento, como uma manifestação de desesperança sombria. Mas eu descarto essa visão, apesar da aparência inicial, pois nas entrelinhas, não creio que haja tal carga proposital. Em minha opinião, a proposta é outra, a buscar a denúncia, mas sem o conformismo, tampouco o lamento em forma de lamúrias, tão comum na atualidade, como observamos nas Redes Sociais da Internet.
Sobre o áudio do disco, eu gostei bastante. Contém a pressão sonora moderna da era digital, mas as timbragens são bastante agradáveis e semelhantes ao áudio analógico de outrora. Tudo soa bem proeminente, e na velha escola de padrão de mixagem para uma banda de Rock, onde a voz é tratada como mais um instrumento, e não gritante na frente de tudo, como nas gravações comerciais sob intenção Pop / radiofônicas. Sendo assim, realço o bom trabalho do produtor, Thiago Nacif, auxiliado pelo "tape engineer", André Ferraz, do estúdio : "Da Paz".
Há por destacar-se também a presença do produtor fonográfico, Eduardo Lemos, que a representar a gravadora, Melômano Discos, apostou no trabalho de uma banda sob qualidade ilibada, embora a manter-se como "outsider" no mercado mainstream, portanto, uma atitude assim, a pensar exclusivamente na arte e não em cifras, tem que ser muito louvada da parte de quem gosta de música, arte & cultura de uma forma geral, e em específico do Rock brasileiro autoral, e que não faz parte de conluios vergonhosos.
Sobre a capa, o que dizer de mais um trabalho de Diogo Oliveira ? Pois eu sou muito suspeito para elogiar o trabalho desse enorme artista plástico / publicitário / web designer / músico e grande agitador cultural, pois ele já desenhou capa de disco de banda minha, elaborou muitos cartazes de shows e assinou vídeoclip de enorme sucesso e criatividade de um trabalho meu feito anos atrás. E constato com alegria, que é mais uma resenha de álbum de uma banda brasileira que eu preparo (ler sobre o CD "O Voo do Marimbondo", do Vento Motivo, no arquivo deste Blog), onde tenho o prazer em saber que mais uma arte de capa / encarte é assinada por ele. Sobre a ilustração em si, Diogo buscou o lúdico dentro do realismo fantástico. Tem um certo sabor Sci-Fi, é verdade, mas o que é marcante mesmo na sua ilustração, é o Ser flutuante a tocar o solo com o dedo indicador, e assim estabelecer a alusão ao telúrico.
Mais uma vez o Diogo mostrou-se um mestre da ilustração, pois nessa sua concepção, sintetizou o trabalho do Cosmo Drah, ao fazer a ponte entre o som que nos faz viajar e a realidade da vida material. É etéreo e chão, ao mesmo tempo.